segunda-feira, 31 de maio de 2010

Elementos integrantes do processo educacional e a Educação Domiciliar (Avaliação)

Avaliação
A avaliação se mostra como um dos elementos mais característicos da educação oficial. Afinal, é através dela que se pode quantificar e qualificar os progressos obtidos através do processo de ensino-aprendizagem. E, como tal, não pode ser ignorada pelas proposições da modalidade domiciliar de educação.
Frente uma proposta diferenciada de educação (como a domiciliar), o processo de avaliação a ela vinculado também deve ser diferenciado. É necessário que se realize um trabalho minucioso para elaborar a forma mais adequada de averiguar os progressos dos alunos do lar.
Em uma realidade na qual haja uma instituição reguladora, a avaliação se torna ainda mais imprescindível, uma vez que é através dela que a instituição poderá comprovar o aprendizado do educando para, então, lhe conferir a certificação relativa às capacidades desenvolvidas/adquiridas.
Entretanto, deve-se considerar dois fatores essenciais quando da proposição de qualquer forma avaliativa para a educação domiciliar. Primeiramente:


Há de se distinguir, inicialmente, “Avaliação” e “Nota”. Avaliação é um processo abrangente da existência humana, que implica uma reflexão crítica sobre a prática, no sentido de captar seus avanços, suas resistências, suas dificuldades e possibilitar uma tomada de decisão sobre o que fazer para superar os obstáculos. A nota, seja na forma de número (ex.: 0-10), conceito (ex.: A, B, C) ou menção (ex.: Excelente, Bom, Satisfatório, Insatisfatório), é uma exigência formal do sistema educacional (VASCONCELOS, 1992, p. 33).


De acordo com a citação apresentada, não se deve cair no engano de se confundir avaliação com “notificação”, ou seja, com a emissão de pareceres classificatórios (as notas).
Em segundo lugar, também não se pode ignorar que, apesar de seu papel fundamental, por vezes a avaliação tem sido uma forma de segregar aqueles que não alcançam o “patamar” proposto. Com efeito, como afirma Vasconcelos (1992), de forma corriqueira, aquele que instrui a criança deixa de acompanhar seu “crescimento” para agir como um detetive, procurando provas que a “incriminem”, ou seja, age para provar sua incapacidade e puni-la através das notas.
É fundamental construir um panorama dos progressos realizados pelo educando. Porém, a classificação por meio de notas, apesar de sua exigência por parte do sistema educacional, pode acabar se tornando uma espécie de violência simbólica1.
Conclui-se, então, que uma proposta diferenciada de avaliação para a educação domiciliar, não somente permite uma adequação efetiva às suas características particulares, como possibilita a negação e crítica dos modelos excludentes de notificação utilizados em larga escala pelo sistema educacional escolar.
Segundo Gutiérrez e Prieto, “a avaliação é conseqüência do projeto educativo.” (1994, p. 129), o que é corroborado por BAMBERG et. all. (2006, p. 10):


Além do atendimento à legislação específica, o projeto pedagógico corporifica o processo ensino-aprendizagem. Isso significa que quando se pensa o processo avaliativo numa perspectiva diagnóstica, isto é, avaliar como a ação global se constitui num meio para atingir uma idéia ou projeto, estamos colocando em foco a observação das condições da realidade a fim de fazer as mudanças que se fazem necessárias para que ela se oriente na direção dos objetivos propostos.


Neste mesmo sentido, Luckesi afirma que a avaliação deve andar lado-a-lado com o planejamento, com o fim de demonstrar se o processo tem se mantido coerente com sua função social e funcionalidade prática. O autor afirma que a avaliação tem uma função crítica, não no sentido de apontar falhas neste ou naquele participante (ou função) integrante do processo, mas sim de “analisar e verificar onde está havendo estrangulamento de um curso de ação e como ele pode ser superado” (LUCKESI, 2007).
De acordo com Gutiérrez e Prieto, uma avaliação alternativa à tradicional se fundamenta em dois aspectos primordiais:


  • identificação dos referentes básicos do processo de avaliação: quem avalia quem, como se avalia, etapas da avaliação, grau de coerência entre a filosofia pedagógica e as técnicas de avaliação, grau de coerência entre o quantitativo e o qualitativo;
  • identificação dos eixos básicos a avaliar: apropriação de conteúdos, relações com o contexto, compromisso com o processo, produtos conseguidos, envolvimento na comunidade com grupos e com a rede (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 128).


Com relação aos aspectos a serem avaliados, os mesmo autores pontuam os seguintes: apropriação de conteúdos; desenvolvimento e mudança de atitudes; desenvolvimento da criatividade; capacidade para se relacionar e obtenção de produtos.
Já Luckesi (1998), em seu texto “Verificação ou Avaliação: o que pratica a escola?”, vota pelo abandono do caráter classificatório das ações aferidoras escolares, sugerindo o seguinte procedimento em três etapas:


  1. coletar, analisar e sintetizar as manifestações cognitivas, afetivas e psicomotoras dos educandos;
  2. atribuir qualidade a essa configuração a partir de um padrão mínimo de condutas validado por educadores e especialistas;
  3. e tomar decisões sobre as condutas docentes e discentes a serem seguidas diante dos resultados apresentados (se negativos, que se encontrem saídas para que todos os alunos cheguem ao padrão mínimo, se positivos, que se analise a melhor forma de prosseguir com os trabalhos).


Diante do exposto, considera-se que a avaliação tem significado real somente quando apresenta como objetivo um diagnóstico do processo de ensino-aprendizagem, com o fim de constituir um direcionamento para as ações posteriores. Ou seja: avaliar-se-á o processo, e não o sujeito.
Esse conceito foi aplicado durante as práticas de monitoramento e intervenção sobre o processo de ensino-aprendizagem acompanhados e descritos nestes artigos. Durante a observação das atividades realizadas com o fim de constatar os progressos do aluno domiciliar em termos de alfabetização, percebeu-se que o mesmo estava apresentando um bom progresso, entretanto, com algumas dificuldades de leitura e escrita de palavras com mais de uma sílaba, bem como de palavras mais complexas (quais sejam: aquelas com maior complexidade na relação grafema-fonema).
O bom desempenho na relação grafema-fonema pode ser percebido através do seguinte quadro – elaborado a partir de avaliação realizada cinco meses após o início do processo de alfabetização:


Como o aluno escreveu
Forma correta de escrita
TAD
TAD
BATMAN
BATMAN
FIG
FIG
BI∂MAN
BIG MAN
CAT
CAT
JAT
JET
BE2T
BEST
MAD
MAD
FAN
FAN
DAD
DAD
VAN
VAN
MET
MET
BET
BET
HOT
HOT


Como pode-se observar, em se tratando de palavras monossílabas não há grandes dificuldades, salvo em momentos nos quais os fonemas se confundem com relação ao grafema correspondente, como no caso de “JAT” e “JET” que são, sonoramente, muito parecidas.
Da mesma forma, percebeu-se, através de outras observações que, em se tratando dos conteúdos concernentes à matemática, apesar de um ótimo desempenho na resolução mental de problemas envolvendo a soma (bem como o início da apropriação da subtração), havia dificuldade quando do momento de transcrever essas operações. Há de se ressaltar que os pais, a princípio, não perceberam tais problemas durante as “aulas”, sendo necessária a avaliação para que a constatação fosse feita.
Neste sentido, os pais demonstraram certa preocupação, questionando se a criança estaria além ou aquém do esperado. Com efeito, diante das contribuições teóricas apresentadas até o momento, seria incoerente classificar o aluno domiciliar como além ou aquém do que deveria. Ao contrário, foi afirmado aos pais-mestres que a avaliação foi positiva por demonstrar o que já se conquistou e o que ficou pendente do planejado inicialmente, e que, agora, as lacunas explicitadas deveriam ser trabalhadas com maior ênfase, a fim de sanar os problemas não identificados anteriormente – o que foi aceito de bom grado (e com alívio) pelos pais pesquisados.
Por fim, em termos mais práticos, Gutiérrez e Prieto sugerem que uma das melhores formas de avaliação é através do desenvolvimento de produtos, ou seja, criações intelectuais dos próprios educandos – como redações, por exemplo. Segundo os autores, os alunos, ao final de um período de aprendizagem, deveriam produzir trabalhos baseados no que, efetivamente, assimilaram do conteúdo mediado.


A proposta de um texto alternativo e de construção do próprio texto tem como condição básica a avaliação e auto-avaliação permanentes. Sem dúvida a instituição encarregada do sistema levará um registro dos avanços dos estudantes, que de alguma forma será mensurável, mas o segredo do processo passa pela co-responsabilidade, pela maneira em que os sistemas coercitivos da avaliação são um contra-senso na educação à distância (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 128).


Como visto, a produção realizada pelo próprio filho-aluno serviria como parâmetro de avaliação para os pais, para a instituição reguladora (caso houvesse uma) e para o próprio educando, que poderia averiguar seu nível de desenvolvimento.


Já não se trata daquilo de “se respondeu bem, vá adiante”. O prosseguimento do processo é mais digno e conseqüente: o interlocutor, ao obter o produto, julga se pode seguir adiante e o faz com a alegria e o gozo da obra realizada. Insistimos, não estamos deixando toda a avaliação por conta do interlocutor, mas também insistimos: para que a avaliação seja formativa o interlocutor tem que ser agente ativo de seu processo (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 132).


Dessa forma, a avaliação se torna uma responsabilidade e um instrumento de todos os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Ainda sobre os produtos, afirmam que esses “[…] são tão palpáveis que dão à educação uma maior seriedade: evitam o azar ligado à resposta acertada e às tensões próprias das provas tradicionais. Os produtos são a melhor prova que existe para comprovar a aprendizagem” (GUTIÉRREZ e PRIETO, 1994, p. 131).
Apesar de todo o exposto até o momento, considera-se este um trabalho meramente introdutório, haja vista a necessidade de futuras pesquisas e análises mais aprofundadas. Permanece a sugestão para futuros trabalhos que tratem das especificidades de uma avaliação voltada, especificamente, à educação domiciliar.
1Essa expressão foi utilizada por Pierre Bourdieu para se referir às ações de dominação e opressão que estão enraizadas na cultura geral de tal maneira que são consideradas naturais e justificadas.

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