E, mais uma vez, voltamos ao assunto que se constitui, hoje, o segundo aspecto mais polêmico sobre a educação não-escolar no Brasil: a socialização.
Como a maioria de nós já sabe, um dos maiores questionamentos sobre a aplicabilidade da educação domiciliar em nosso país (e em outros também) diz respeito à suposição de que essa modalidade impediria ou dificultaria o desenvolvimento social das crianças. Creio que já discutimos isso o suficiente para dizer, com certeza, que tal preocupação não possui respaldo científico ou empírico. Uma criança ensinada em casa (ou em qualquer outro ambiente) pode muito bem se desenvolver socialmente de forma plena e saudável.
Entretanto, não podemos ignorar o fato de que é necessário sim um cuidado especial para que o aluno domiciliar vivencie constantemente situações de convívio social.
Por que digo isso? Porque a rotina do ensino em casa pode nos levar a uma acomodação não-intencional ou a uma distração involuntária que poderá redundar em déficit no desenvolvimento social de nossas crianças. Não estou afirmando que isso irá efetivamente ocorrer, mas que devemos agir de forma consciente e consistente para evitar que isso ocorra.
Neste sentido, os pais que estão instruindo seus filhos devem planejar atividades que, de alguma forma, propiciem um ambiente no qual as crianças possam entrar em contato com sujeitos de outras faixas etárias, advindos de outros locais geográficos, de outras famílias, culturas, etc. E não somente o contato deve ser propiciado, mas a interação – pois é interagindo com o “outro” que a criança irá desenvolver habilidade social e competências relacionais.
O contato com a diversidade, bem como o relacionamento com outras pessoas é muito importante para ajudar a criança a se preparar para a interdependência social que encontrará enquanto adulto.
De que forma podemos proporcionar esse contato social? Há várias opções. Vejamos algumas delas:
- Escolinhas de esportes (futebol, basquete, natação, artes marciais, ginástica, etc.);
- Escolas de artes (desenho, pintura, dança, instrumentos musicais, canto, etc.);
- Cursos de línguas;
- Cursos de informática;
- Passeios em praças e/ou parques comunitários;
- Atividades religiosas/espirituais;
- Participação em gincanas, concursos, etc;
- Ruas de lazer;
- Envolvimento com atividades folclóricas/culturais;
- Participação em momentos de estudo com outros alunos domiciliares;
- Atividades educacionais que requerem contato pessoal (entrevistas, micro-biografias, pesquisas estatísticas, etc.).
Enfim... Há inúmeras possibilidades para gerar contato social entre a criança e outros sujeitos. Entretanto, é importante ressaltar que essas atividades planejadas não são a única forma de socialização. O simples fato de permitir que a criança brinque com seus primos, vizinhos ou que tenha contato espontâneo com qualquer outra pessoa já constitui trocas e relações muito valiosas para o desenvolvimento da habilidade social.
Tanto a socialização planejada quanto a espontânea são importantes, e devemos ter cuidado para permitir que ambas existam no dia-a-dia do educando domiciliar.
Mas, voltando aos contatos sociais planejados, gostaria de destacar a importância e as vantagens de um deles. Provavelmente, no futuro, poderemos discutir sobre várias outras atividades, mas, neste momento, gostaria de abordar o grande benefício proporcionado pela prática do esporte.
Deixando um pouco de lado os benefícios de ordem física e fisiológica (que são inegáveis), é perceptível que a prática do esporte auxilia em muito no desenvolvimento de várias noções essenciais ao sujeito social contemporâneo. Vejamos algumas delas:
- Regras – todo e qualquer esporte/jogo é formado, essencialmente, por regras. É interessante notar que um jogo é divertido somente se suas regras forem seguidas. Se não houvesse regras, cada jogador poderia fazer o que bem entendesse, o esporte/jogo ficaria sem sentido e, dessa forma, deixaria de ser divertido. Ao compreender que para se divertir será necessário seguir as regras do esporte, a criança está desenvolvendo o conceito de “regras” e de “condutas adequadas”, bem como a noção de importância da existência de regras para o ser humano;
- Ordem – ao praticar um esporte/jogo, a criança também passa a compreender melhor a necessidade de ordem, de organização, de coordenação. Para ter sucesso na atividade, o sujeitinho precisará aprender a agir de forma adequada, no tempo adequado e com a ordem necessária. E todos concordamos que essas noções também serão muito importantes para ele em sua vida cotidiana;
- Trabalho em equipe – muitos esportes/jogos são coletivos e, por isso, requerem a ação em grupo. Para se divertir e, talvez, vencer, o indivíduo precisa desenvolver a competência de agir de forma coordenada juntamente com um ou mais companheiros. Inclusive, com o tempo e a maturidade, a criança irá perceber que quanto mais integração há entre os membros da equipe, mais eficiente ela se torna. Em uma sociedade tão interdependente quanto a nossa, essa competência proporcionada pelo jogo coletivo se torna imprescindível;
- Disciplina/Auto-controle – o treino e a preparação são elementos presentes em qualquer esporte/jogo (seja visando uma competição ou não). Ao escolher privar-se de algo, ou decidir realizar uma atividade que requer sacrifício, o atleta está exercendo disciplina sobre si mesmo. E essa disciplina mostra-se outra habilidade essencial para qualquer ser humano. Quanto mais cedo a criança começar a aprender como se disciplinar e se auto-controlar, mais saudável será seu desenvolvimento sócio-afetivo. Aprender a lidar com a derrota, saber como agir com os adversários e com os colegas de equipe que falharam de alguma forma são experiências riquíssimas para uma criança que está se desenvolvendo socialmente;
- Motivação – por fim, a motivação necessária para o exercício de qualquer esporte/jogo irá ajudar o sujeitinho a desenvolver sua habilidade de se automotivar quando necessário, buscando a energia emocional e a atitude mental necessárias para a efetivação das atividades e para que os objetivos propostos sejam alcançados.
Como vocês podem perceber, a prática de esportes e/ou jogos se mostra uma atividade extraordinária para a socialização dos alunos domiciliares. Entretanto, não se faz necessário que essa prática seja realizada em escolinhas particulares ou em instituições pagas. A prática do esporte pode ocorrer no campinho perto de casa, ou no parque, ou em qualquer outro local, mesmo sem a existência de um instrutor profissional. O importante é que o esporte seja praticado. Quem sabe, você mesmo possa reunir as crianças da rua, ou da quadra, ou outros alunos domiciliares, e começar a realizar alguns treinos de algum esporte uma vez por semana. Mais importante do que o profissionalismo do treinador ou do que vitórias em campeonatos é a possibilidade de desenvolvimento sócio-afetivo das crianças.