sábado, 15 de dezembro de 2012

Scrabble


vocabulário, ortografia, matemática, raciocínio e diversão

Hoje, gostaria de dar uma sugestão de jogo educativo para todos os pais que buscam um bom presente de Natal ou, simplesmente, uma boa opção de material para o desenvolvimento de diversas competências. Esse jogo é o Scrablle – ou “Palavras Cruzadas”, como também é conhecido.
Esse jogo é excelente para todas as faixas etárias – até mesmo para aquelas crianças que ainda não sabem ler/escrever, pois é uma boa ferramenta para alfabetização.
Para quem não conhece o jogo, aí vão as regras básicas1 (informações “CtrlC+CtrlV” da Wikipedia):

Cada jogador dispõe de sete letras, colocadas num suporte de madeira ou plástico, de forma a ficarem viradas para si, mas escondidas dos outros jogadores. Na sua vez, o jogador vai tentar colocar todas as suas letras no tabuleiro, ligadas a uma ou mais palavras existentes, e de forma a que resultem novas palavras válidas. O jogador soma os pontos das letras de todas as palavras que formou, incluindo das letras já colocadas, possivelmente multiplicados pelos bônus marcados no tabuleiro.
Cada letra tem uma determinada pontuação, que é tanto mais alta quanto mais rara seja essa letra na língua em que o jogo está. Por exemplo, em português A e O valem 1 ponto cada, enquanto a letra X vale 8 pontos.
Após a sua tentativa, o jogador tira aleatoriamente de um saco tantas letras quantas necessárias para ficar novamente com sete. O jogo termina quando se esgotarem as letras do saco. Ganha quem tiver marcado mais pontos desde o início do jogo.

Como é perceptível, jogar Scrabble, além de muito divertido, gera os seguintes benefícios:
  1. Estimula o enriquecimento do vocabulário;
  2. Gera maior atenção para a ortografia correta das palavras;
  3. Desenvolve o raciocínio e o senso de estratégia;
  4. Treina matemática básica;
  5. Utiliza a linguagem simbólica para conceitos e valores;
  6. Une de forma íntima e direta os momentos de “aprendizado” e “diversão” – ou melhor, elimina essa divisão que, em geral, impomos sobre os momentos do cotidiano.
Um outro ponto positivo desse jogo é que ele não precisa ser comprado. Caso você não queira ou não possa comprar um tabuleiro de Scrabble, é muito simples confeccioná-lo em casa. Basta um pouco de papelão, papel, canetinhas, tesoura e um pouco de habilidade manual para montaá-lo – talvez as crianças até possam ajudar, o que torna tudo muito mais interessante!
Isso acrescentaria o desenvolvimento de diversas outras competências às já ricas consequências de se utilizar o Scrabble como ferramenta educacional.
Para quem está ensinando uma ou mais línguas estrangeiras para os filhos, também é possível criar jogos específicos para as características de cada língua. Uma rápida pesquisa na internet oferecerá as informações necessárias para isso.
Se adicionarmos a tudo isso as possibilidades de variação do jogo e das regras, não há como negar que essa, definitivamente, pode ser uma ferramenta poderosa para a aprendizagem – não somente da criança, mas de toda a família.
1 Para ver as regras completas desse jogo, clique aqui.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Saída estratégica pela direita...

Quando fazemos parte de um movimento, muitas vezes, temos que fazer decisões difíceis, mas necessárias à causa. Em um primeiro momento, tais escolhas podem parecer controversas, contraditórias e, até, opostas ao curso natural que se está seguindo, entretanto, precisamos considerar com muito cuidado mudanças que, apesar de drásticas, sejam estratégicas.
Neste sentido, venho anunciar publicamente que estou deixando a função de Diretor Pedagógico da ANED para agir como um colaborador autônomo.
Mesmo sendo membro fundador da associação e tendo permanecido nessa função desde seu início, neste momento, considero ser bastante estratégico deixar a posição e passar a agir de forma independente.
Por que uma mudança tão drástica?
Na verdade, há vários motivos, mas um dos principais é justamente a natureza da missão que tenho assumido com relação à educação domiciliar. Como deixei claro em meu texto “Regulamentar ou não Regulamentar?”, “[…] minha missão é corresponder e defender os interesses daquelas famílias que me pedem isso. […] Neste sentido, sou um servidor, um correspondedor, um auxiliador das famílias que ensinam em casa”. Como pedagogo, pesquisador e defensor da ED, através dos anos venho tentando oferecer as informações, os recursos e o apoio pedagógico que as famílias necessitam para que o processo de ensino-aprendizagem domiciliar ocorra de forma mais prática e eficiente. Dessa forma, preciso estar constantemente mantendo contato com as famílias que ensinam em casa e produzindo/buscando as respostas aos anseios e necessidades dessas pessoas.
Como vocês podem imaginar, as atribuições de Diretor Pedagógico também exigem muito tempo e esforço, o que torna extremamente difícil manter as duas atividades ao mesmo tempo. Foi, justamente, por conta dessas dificuldades que, nos últimos meses, não pude dar a atenção devida às famílias que me pediram ajuda nem manter o ritmo de produção textual que apresentei no ano passado e no início deste ano. Além disso, diversos projetos relacionados à ED tiveram que ser “congelados” para que eu pudesse me dedicar à função de Diretor Pedagógico da ANED. Naturalmente, para fazer um bom trabalho, preciso optar por uma dessas missões em detrimento da outra. Até o momento, optei pela Diretoria, mas, agora, creio ser hora de voltar a trabalhar como pesquisador, consultor e produtor.


ESCLARECENDO: Definitivamente, isso não quer dizer que me arrependo de ter investido todo esse tempo como parte dessa diretoria. De forma alguma! Tenho certeza que foi necessário investir esse tempo e que ele produziu muitos frutos para a causa. Entretanto, no ponto em que estamos, acredito ser o momento mais adequado e estratégico para passar essa diretoria a outras mãos, voltar às minhas antigas atividades e começar a planejar a implementação de novos projetos que poderão alavancar o progresso da ED em outras áreas.


Também preciso explicitar que não estou “abandonando” a ANED, me tornando concorrente e, muito menos, me colocando contra ela. Estou apenas deixando a responsabilidade integral da Diretoria Pedagógica para continuar como parceiro e colaborador, agindo de forma paralela e complementar às ações que a associação estiver realizando. Neste sentido, continuarei fazendo tudo o que puder para ajudar o progresso da ANED e a consolidação das ações que ela vem promovendo – e das que serão promovidas em breve.
Para finalizar, informo que continuarei ainda como Diretor Pedagógico por algum tempo, mas que logo essa função será passada para outra pessoa.
Caso haja qualquer dúvida ou comentário sobre isso, estou à disposição, bem como todos os demais integrantes da Diretoria da ANED.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Regulamentar ou não Regulamentar?


É muito satisfatório conseguir escrever novamente após tantas semanas (meses?!) de “silêncio virtual”. Para quem estava acostumado a escrever um artigo por semana, ficar tanto tempo sem produzir qualquer artigo é realmente desconfortável – para dizer o mínimo. Mas, agora que consegui me desvincilhar de alguns “embaraços” decorrentes do grande volume de trabalho, poderei voltar a me dedicar um pouco mais à produção de textos relacionados à ED neste meu blog. E, como primeiro texto dessa nova fase, nada mais justo do que cumprir minha (antiga) promessa de explicar de forma clara e objetiva os motivos que me levam a crer que uma regulamentação legal da ED em nosso país é, no momento, a melhor saída para as famílias que ensinam em casa.
Desde que foram iniciadas as movimentações em prol de uma legislação específica para a ED no Brasil surgiram dúvidas e questionamentos sobre esse caminho – essa realmente é a melhor forma de conseguirmos o que queremos enquanto educadores e educandos domiciliares? Nos últimos tempos, devido aos progressos alcançados nessa caminhada, essas dúvidas ressurgiram com muito mais força. De fato, essa é uma questão tão importante, tão pertinente e tão delicada que não poderíamos ignorá-la.
Conversei com várias pessoas e li textos de tantas outras que se preocupam com a possibilidade de entregarmos a ED nas “mãos” do Governo e, assim, perdermos a liberdade de ensinar nossas crianças conforme nossas próprias escolhas. Com efeito, perder a liberdade de escolha no processo de educação domiciliar seria perder a ED em si, pois a flexibilidade e a adaptabilidade (em todos os aspectos) são elementos fundamentais e estão na própria essência do ensino em casa. Portanto, essa preocupação é completamente válida e não podemos minimizá-la ou deixá-la de lado.
Se assim é, logo, não seria um risco alto demais requirir uma regulamentação legal que restringiria a liberdade educacional domiciliar?
É o que muitos acreditam, e vamos analisar cuidadosamente isso.
Mas, em primeiro lugar, gostaria de deixar claro o motivo mais forte que me faz lutar pela regulamentação legal da ED no Brasil: o anseio das famílias. Como as pessoas que me conhecem um pouco mais sabem, não sou casado e não tenho filhos. Dessa forma, apesar de minha luta pela ED, não estou inserido diretamente em uma realidade de ensino domiciliar. Como não sou pai nem aluno domiciliar, minhas ações como defensor e agente da ED correspondem diretamente às necessidades e anseios expressos pelas famílias que ensinam em casa. Enquanto não tenho meus próprios filhos e meus próprios interesses quanto à educação deles, minha missão é corresponder e defender os interesses daquelas famílias que me pedem isso. Obviamente, tenho muitas limitações e não posso fazer tudo o que gostaria (nem tudo o que as famílias gostariam), mas me esforço para realizar tudo o que está ao meu alcance para auxiliar e apoiar quem já está ensinando em casa.
Neste sentido, sou um servidor, um correspondedor, um auxiliador das famílias que ensinam em casa, e não um julgador ou determinador de como as coisas devem ser.
Diante dessa minha missão, tenho lutado pela regulamentação da ED porque muitas famílias têm expressado seu desejo de que isso seja feito. Sei que não é o caso de todas as famílias, pois tem ficado cada vez mais claro que muitas pessoas gostariam que não houvesse qualquer lei sobre ED, mas que os pais tivessem liberdade total para ensinar seus filhos do jeito que quiserem. Mas, mesmo assim, a maioria das famílias que entram em contato comigo ainda expressa seu anseio por uma regulamentação legal para que não fiquem mais à mercê do medo de serem denunciadas por educarem em casa – ressaltando: me refiro à maioria das famílias que entram em contato comigo... é possível que a realidade da maioria das famílias que ensinam em casa no Brasil seja diferente.
De fato, a inexistência de legislação específica sobre ED tem gerado dúvidas e questionamentos por parte do judiciário e levado muitas famílias a serem denunciadas por ensinar em casa. Apesar da Lei brasileira não proibir os pais de ensinarem os próprios filhos1, a falta de uma permissão explícita dá margem para os enganos. A grande maioria das famílias denunciadas acaba não sendo condenada, mas, mesmo assim, uma denúncia sempre é incômoda e prejudicial, gerando desgaste físico, emocional e financeiro aos envolvidos.
Como evitar esses prejuízos advindos de uma denúncia? A única forma é evitar a denúncia. E como fazer isso? Até o momento, a melhor solução que vejo é, justamente, uma regulamentação legal que deixe explícito o direito que os pais têm de ensinar em casa.


RESSALTANDO: Definitivamente, os pais têm esse direito. Entretanto, ele precisa ficar completamente explícito em nossa legislação.


Volto a dizer: muitas famílias têm me pedido para continuar na luta pela regulamentação para que não precisem mais ter medo de denúncias. Já perdi a conta de quantas famílias conheço que, praticamente, precisam se esconder para ensinar os filhos por medo de serem denunciadas e terem que enfrentar um processo. Nem mesmo a certeza de vitória ou de arquivamento do processo alivia o coração desses pais, pois eles sabem o quanto será penoso passar por toda a bateria de questionamentos, exigências e complicações de um processo judicial.
Como vocês podem ver, luto pela regulamentação legal, em primeiro lugar, porque esse é o desejo expresso por muitas famílias que falam comigo sobre o assunto. Caso chegue um momento em que a maioria dos lares educacionais declare um desejo contrário, ou seja, que não haja qualquer regulamentação legal, com efeito, pelo caráter de minha missão e pela minha própria consciência, não continuarei a lutar por isso. Para mim, não haveria qualquer problema nessa mudança de estratégia – inclusive, me daria menos trabalho... hehehe... Entretanto, até o momento, a maioria das famílias que conheço ainda expressa interesse/desejo por uma lei específica.
Para mim, o anseio desses pais já é motivo suficiente para continuar na luta pela regulamentação legal da ED – entretanto, este não é o único motivo...
Um segundo motivo que me leva a defender essa ideia é a perspectiva de que essa ação poderá auxiliar na organização e no desenvolvimento da modalidade no Brasil. Explico: enquanto a ED mantem-se no “limbo legal”, ou seja, enquanto o Estado e a maior parte da população não tem certeza sobre a legalidade e o reconhecimento dessa modalidade, o desenvolvimento de recursos, eventos e atividades relacionadas a ela será muito lento e truncado.
Permitam-me um exemplo prático: há mais ou menos um ano venho entrando em contato com uma editora para adquirir alguns de seus materiais didáticos para que sejam utilizados por famílias que ensinam em casa em minha região. Os materiais são ótimos e suprem muito bem as necessidades dessas famílias. Entretanto, a editora não aceitou nos vender o material justamente por ter dúvidas sobre a legalidade de nossas intenções. Por não haver uma lei específica sobre ED, os representantes dessa editora consideraram que poderiam estar sendo cúmplices de uma atividade ilegal e, por conta disso, preferiram não negociar conosco.
Vamos deixar de lado a incoerência dessa atitude e voltemos a nosso raciocínio...
Esse tipo de entrave vai continuar existindo enquanto não houver uma legislação específica sobre ED em nosso país. Vamos continuar tendo dificuldades para comprar e, até, produzir material didático, para realizar eventos maiores, para ter acesso a determinados espaços culturais, etc.
Podemos ficar sem isso? Talvez... Mas o interesse pela ED tem crescido muito em nosso país, e acredito que quanto maior for o movimento, maiores barreiras encontraremos ao tentar utilizar recursos sem a expressão oficial de legalidade sobre nossa atividade.
Em terceiro lugar, acredito na necessidade de uma regulamentação legal da ED para evitar distorções e/ou abusos no processo educativo. Gosto de pensar nisso fazendo uma analogia com o trânsito: todos temos o direito de ir e vir e de ter um trânsito seguro. Esse é um direito de todo o cidadão. Entretanto, esse direito não me permite fazer o que bem entender com meu carro, pois poderia colocar em risco a minha vida e a vida de outros. Portanto, para evitar imprudências ou abusos existem regras básicas que norteiam a forma de exercermos nossos direitos quanto à mobilidade. Se as atuais regras de trânsito estão corretas ou se são justas é uma discussão que deve ser feita por todos, mas é inquestionável a necessidade de normas básicas de conduta. Da mesma forma, acredito que o direito fundamental que os pais têm de optar pela ED precise de algumas normatizações básicas para evitar prejuízos para a própria família e para outros.
Porém, alguém dirá: “Mas eu não acredito que pais responsáveis, que amam seus filhos, precisem de qualquer normatização, pois sabem o que é melhor para suas crianças e só farão o que é melhor!”.
E eu digo: Concordo plenamente! Pais que amam seus filhos, que os conhecem bem e estão comprometidos com sua educação não vão cometer abusos, nem irão causar danos propositais a seus filhos ou a outras pessoas. Poderão errar, mas não farão mal de forma deliberada. Esses pais não precisam de leis dizendo como agir, do mesmo modo que um condutor consciente não precisaria das leis de trânsito para dirigir seu carro de forma segura e eficiente. Alguém que se preocupa consigo e com os outros iria dirigir em baixa velocidade, com muita atenção e da forma mais segura. Entretanto, nem todos os condutores são conscientes, e nem todos os pais realmente estão comprometidos com o desenvolvimento de seus filhos. Sempre haverá pais relapsos que enxergam seus filhos como problemas ou como oportunidades para tirar vantagens. Para estes casos, é necessário que haja alguma regulamentação para evitar os prejuízos causados por esse tipo de comportamento desumano.
Vamos imaginar: Em 2013 o Brasil reconhece a ED como uma modalidade válida e dá liberdade para cada pai guiar o processo educativo de seus filhos como bem entender. Não há regras, nem parâmetros, apenas a liberdade de se educar como quiser. Alguns meses após esse reconhecimento, surge uma denúncia de trabalho escravo. As autoridades investigam e descobrem uma pedreira com dezenas de crianças entre 5 e 7 anos trabalhando de 12 a 18 horas por dia quebrando pedras. Uma situação terrível! Entretanto, não se pode fazer nada, pois os pais de todas essas crianças as colocaram ali e afirmam que elas estão “estudando em casa”. Os pais usam esse método para ensinar as crianças conceitos matemáticos e, ao mesmo tempo, aplicam educação física.
Eles não podem fazer isso!!!
Não? O que os impede? Eles não são os pais? Não têm liberdade para ensinar os filhos como bem entendem?
Obviamente estou usando um exemplo bastante radical, mas faço isso para que fique marcado na mente de todos nós que abusos podem acontecer e que a regulamentação deve ter como objetivo evitar esses abusos. E não há como questionar: em nosso país, exemplos como o que dei são reais e, mesmo que não sejam tão comuns em todos os lugares, há centenas de outros exemplos de como pais negligentes poderiam utilizar a desculpa de ensinar em casa para causar danos a seus filhos.
Mas, agora, surge a grande questão: seria justo restringir a liberdade de pais responsáveis para evitar abusos de pais irresponsáveis? É uma grande questão, e não há respostas simples...
Arriscando uma resposta (e não creio ser uma resposta definitiva, mas minha visão neste momento), eu diria que deveríamos dividir a questão da regulamentação legal da ED em duas perguntas distintas, mas complementares:


  1. É necessário haver uma lei específica sobre Educação Domiciliar no Brasil?
  2. Como deve ser essa lei?


Dividindo a discussão entre essas duas perguntas, acredito que fica mais fácil analisar o que devemos fazer e como devemos fazer.
Para mim, pelo menos, está clara a resposta para a primeira pergunta: sim, é necessário haver uma lei específica sobre Educação Domiciliar no Brasil para: tornar explícito o direito dos pais de optarem por ensinar seus filhos em casa; e para determinar formas de evitar abusos por parte de pessoas irresponsáveis.
Já a resposta para a segunda pergunta não é tão simples, e necessita de muita análise e discussão. Inclusive, arrisco afirmar que é essa segunda questão que gera a maior insegurança para pais que ensinam em casa, levando ao medo de perder sua liberdade para escolher como ensinar e, consequentemente, ao questionamento sobre a resposta para a primeira pergunta.
Note: não haveria qualquer problema em uma lei que diga “É direito de todo o cidadão optar por ensinar seus filhos em casa”; o problema surgiria caso as regulamentações decorrentes dessa lei “podassem” os pais, impedindo as famílias de conduzir o processo educativo da forma que consideram mais adequada ou exigindo que sejam seguidos procedimentos que vão contra os valores e escolhas educacionais familiares.
Diante disso, acredito que, neste momento, nossos esforços não devem se concentrar na discussão sobre regulamentar ou não a ED, mas em debater qual deveria ser a forma, as bases fundamentais e os limites da(s) lei(s) referente à educação domiciliar no Brasil.
Vejamos algumas perguntas que precisam ser respondidas sobre isso:


  1. que situações receberão RECONHECIMENTO LEGAL como educação domiciliar?
  2. que condições poderiam SUSPENDER O DIREITO de uma família ensinar em casa?
  3. será necessário algum REGISTRO oficial do aluno domiciliar?
  4. como ocorrerá a CERTIFICAÇÃO do aluno domiciliar?
  5. qual será o papel do Estado junto à educação domiciliar? Meramente REGULADOR? AVALIADOR? DETERMINADOR? COLABORADOR?


Enfim... há um número enorme de questões que precisam ser respondidas quanto ao “como deve ser a lei”. Mas, independente dessas questões e de suas respostas, pessoalmente, considero que elas não deveriam nos levar a questionar os benefícios da existência de uma lei específica sobre ED em nosso país.
Para terminar, gostaria apenas de ressaltar um último ponto: tratei aqui de minha opinião diante do que tenho recebido da maioria das famílias que ensinam em casa e entram em contato comigo. Porém, o que fazer em relação às pessoas que preferem a inexistência de lei? Não estou causando problemas a essas pessoas por lutar pelo interesse de outras? Bom... acredito que não. Explico: se, hoje, você considera ter o direito universal de ensinar seus filhos em casa sem interferência do Estado e está, efetivamente, fazendo valer esse direito, a existência de uma lei sobre ED não irá influenciar em nada sua escolha. Você pode continuar ensinando seus filhos como bem entender, independentemente do que a lei diga.
Você compreende? A criação de normas sobre ED não irá lhe causar problemas, pois poderão haver denúncias da mesma forma que existem agora. Uma lei sobre ED não poderia piorar a situação, apenas mantê-la como está.
O problema viria se houvesse uma lei proibindo terminantemente o ensino em casa. Isso sim seria um grande mal! E, para evitar isso, devemos continuar influenciando os legisladores para que tenham simpatia pela ED, e não antipatia...
Como muitos já disseram, se não fizemos uma lei sobre ED, corremos o risco de que outros façam, e façam contra nossos interesses.
Espero ter sido claro ao apresentar meus motivos e ao expressar tudo como minha opinião pessoal, e não como uma verdade absoluta que não pode ser questionada.
Inclusive, peço a todos que comentem sobre o que está escrito aqui, compartilhando suas visões, suas impressões e suas opiniões sobre o assunto. E vamos continuar debatendo o assunto...

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Falácia e grosseria: o homeschooling segundo mais dois “especialistas”

 
Texto escrito por André de Holanda sobre recente debate sobre ED apresentado pela Rede Minas


No dia 27 de junho, a educação domiciliar (em inglês, homeschooling) foi assunto de discussão no programa Brasil das Gerais, transmitido pela emissora de televisão estatal Rede Minas (vídeo da primeira parte disponível aqui: http://www.youtube.com/watch?v=48yS0TB8l0g). O objetivo – o confesso, ao menos – era “questionar as vantagens e desvantagens” da prática e “se é saudável tirar uma criança ou adolescente da escola regular”. Foram convidados para o programa Ricardo Dias, que educa, há dois anos, os dois filhos em casa e é presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED); Cleber Nunes, que pratica a educação não-escolar há quase sete anos; o sociólogo Rudá Ricci e a pedagoga Lucíola Santos. Graças à dupla de especialistas, o show se tornou uma exibição lamentável de desonestidade argumentativa e de ignorância dos fatos.
O rol de convidados foi mal pensado. Para o bem do debate, deveriam ter sido convocados estudiosos contrários e outros favoráveis à prática em questão. Longe disso, o que se fez foi chamar dois supostos especialistas que pouco conheciam o assunto, ambos contrários à educação domiciliar, e permitir que atacassem, com artilharia vulgar, a honra e o estado emocional dos pais convidados. Ricci e Santos não se muniram de fatos e pesquisas. Nem se dispuseram a ouvir o que dois dos mais longevos praticantes brasileiros da educação não-escolar (que, juntos, somam oito anos de experiências) tinham a falar. Foi por isso que a dupla interrompeu diversas vezes as falas de Cleber e Ricardo, e não esperou (nem a apresentadora, em alguns momentos) que concluíssem seus argumentos e relatos. Não foram honestos, não seguiram as regras da boa argumentação. Pelo contrário, eles se armaram com peças de acusação direcionadas às pessoas dos pais – não só daqueles que ali estavam, no estúdio, mas de todos os que adotam, responsável e corajosamente, um tipo de educação ainda incipiente no Brasil.
Analiso, a seguir, selecionando algumas passagens, de que modo Rudá Ricci e Lucíola Santos defenderam suas opiniões, como havia pouco de ciência e de bom senso argumentativo no seu discurso. Abaixo, as falácias cometidas por ambos são destacadas em itálico.
Rudá Ricci iniciou sua participação no debate – aos 13:56 do vídeo – interrompendo Cleber Nunes. Cleber, perguntado sobre os processos judiciais sofridos por sua família, dizia que ele mesmo e sua esposa foram condenados, cível e criminalmente, por abandono intelectual, após seus filhos serem aprovados em vestibular de direito (em 2007, quando eles tinham 13 e 14 anos) e em prova da Secretaria de Educação de Minas Gerais imposta pelo juiz da vara criminal (em 2008). Acertadamente, ele concluiu: “Percebi que o interesse não estava na educação deles, mas que o interesse da Justiça era tão-somente que eles estivessem na escola.”
Depois de ouvir isso, Ricci desfia seu contra-argumento. Confusamente, o sociólogo compara (com falsa analogia) o direito de educar com o (inexistente, segundo ele) direito ao suicídio: “O Estado não defende só a pessoa: defende a sociedade, os direitos.” Para Ricci, que discorda de que as pessoas sejam donas de seus corpos, um sujeito é incapaz de matar-se sem pôr outros em risco. Mas o que é que isso tem a ver com educar fora de escolas? É que essa prática também seria um risco coletivo: “É o fim da democracia, da vida social.” Por quê? Cleber, Ricardo e TODOS os que educam em casa, garante Ricci, estão “trazendo uma cultura do egoísmo e do individualismo extremo” (falácia da omissão, ataque à pessoa e conclusão irrelevante). Fatos? Pesquisas?1 Nada. Será que a vida social e a democracia inexistem ou sofreram duro golpe nos Estados Unidos, onde a prática é comum há mais de três décadas e, hoje, há mais de 2 milhões de crianças e adolescentes educados em casa?2
Testemunhamos, com o passar do programa, um Rudá Ricci cada vez mais desleal em seus argumentos. Recorrendo mais uma vez à falsa analogia e atacando a pessoa dos convidados, Ricci compara pais praticantes da educação em casa com políticos e marketeiros (14:55, parte 1). Em comum, alega, eles deixariam “tirar foto do aluno pra fazer propaganda do curso”, o que iria “causar um dano imenso [ao aluno]”. A acusação, sabemos, é irrelevante para verificar vantagens ou não da educação em casa. E não há, é óbvio, nenhuma evidência de que tal “exposição” (fantasiosa!) causasse danos aos estudantes domiciliares.
Ricci tentou, desde o início, construir um espantalho para ter em quem bater. O pai que educa em casa não está, necessariamente, “dando aulas” domiciliarmente. Há quem adote, por exemplo, métodos como os comumente chamados aprendizagem natural e auto-aprendizagem (citados por Ricardo, a partir dos 8:22 do primeiro bloco) e que não acreditam que os filhos precisem ser “ensinados”. Mas Ricci afirma exatamente o contrário (falácia da omissão, a partir dos 14:33), certo de que os pais precisam ser “técnicos” para ter sucesso educando em casa. Cleber não sustentou, em momento algum do programa, nem que o testemunho de seus filhos em audiências públicas, nem que avaliações formais sejam, para ele, evidência de que a educação em casa é tecnicamente “boa”. Mas Ricci, de novo, inventa um fato e atribui a Cleber um argumento que lhe é estranho (a partir dos 15:09).
A professora Lucíola Santos, chamada a participar do debate aos 18:58 de programa, articulou de modo mais claro os seus argumentos, o que tornou mais evidente as deficiências deles. Lembremos, antes, mais uma vez, que o objetivo do programa é discutir as “vantagens e desvantagens da educação domiciliar”. Pois bem. Vejamos os argumentos de Santos: (1) Os pais que educam em casa apontam defeitos na escola, mas não se mobilizam para melhorá-la. Isso se dá (assim entendi) porque eles não acreditam no Estado; (2) Os pais que educam em casa (supus que houve generalização) “tem alguma espécie de posição político-religiosa que os mobiliza a não querer que seus filhos convivam com pessoas diferentes”. Isso levaria a “processos de fundamentalismo, em guetos, em situações inviáveis do ponto de vista social”; (3) Os pais não tem competência, nem tempo, nem condições para ensinar todos os conteúdos escolares às crianças até a idade de 17 anos; (4) Se a legislação permitir que pais eduquem em casa, haverá caos – porque “muitos pais podem fazer bem, outros, não” – e injustiça – “porque os pais não são os donos das crianças.”
O primeiro argumento é mais um ataque à pessoa despropositado. O que o fato de alguns pais (e não todos!) não “acreditarem no Estado” como agente de educação nos diz da eficácia ou ineficácia do ensino domiciliar, das suas vantagens ou desvantagens? O segundo, mais um ataque à pessoa, também não nos revela nada da questão em debate! A debatedora não cita nenhum fato que corrobore a afirmação de que pais que tiram seus filhos da escola evitam a convivência deles com “pessoas diferentes”. O terceiro argumento torna constrangedoramente manifesta a ignorância de Lucíola Santos sobre o assunto. A educação domiciliar, já dissemos, não é, necessariamente, educação curricular, conteudista, programática. Considerando este fato, a suspeita em relação a “competências, tempo e condições” é, toda ela, vaga e completamente alheia à ciência.
O quarto argumento de Santos tampouco se sustenta em fatos. Ela prevê uma situação de “caos” porque “muitos” pais podem “fazer bem” à educação domiciliar e outros pais, não. Ora, os pais que educam em casa não defendem que a prática seja imposta sobre outras famílias. Aliás, suponho que a professora ainda não conhece o caso do Texas, estado americano que conta, segundo o Texas Home School Coalition, com cerca de 120 mil famílias educando (não caoticamente) em casa, e onde os pais não precisam ter nem certificado de professor para fazê-lo? Recomendo-lhe o site da organização: http://www.thsc.org. No mais, Santos, que não definiu o que seria “fazer bem” a educação domiciliar (o que impossibilita o debate sobre o termo), garantiu, citando o Estatuto da Criança e do Adolescente, que os pais não são “os donos” dos filhos3, sem dizer bem em que isso é relevante para conhecermos “as vantagens e desvantagens da educação domiciliar”.
O nível do debate no restante do programa, acredite, leitor, foi pior – e não merece que nos detenhamos muito nele. Um desfile de ataques pessoais (uma cena especialmente desconfortável tem começo aos 17:12), de apelos emocionais (aos 15:13), apelo à autoridade (a partir dos 7:13 e dos 7:33), apelo à maioria (a partir de 15:48)... E por aí vai.
Encerro o texto dirigindo-me a Rudá Ricci e aos acadêmicos que, como ele e Lucíola Santos, opinam sobre a educação domiciliar, sem antes pesquisarem devidamente o assunto. Na segunda parte do programa, Ricci vaticina que “shopping curriculares” como os que teriam sido feitos pela família de Gilmar e Vânia Lúcia Carvalho (apresentada no início do segundo bloco) são um “erro estrondoso que nós só vamos ver dali a pouco, quando tiver 25, 30 anos...”. Ricardo Dias alegou que “as pesquisas de hoje mostram o contrário”, mas não conseguiu, na hora, citar nenhuma. Então, Ricci, respondeu-lhe (7:50): “Não sei que pesquisas, porque eu sou pesquisador da área... Você há de convir: fui professor de mestrado e de doutorado da educação, eu conheço a literatura. Não existe pesquisa que diga isso que você tá dizendo... Não existe. É definitivo isso.”
As pesquisas existem. A seguir, cito dez delas que tem por objeto a socialização e as realizações acadêmicas de crianças e adolescentes educados em casa. Recomendo todas para os interessados na matéria. Bom proveito!

  1. Delahooke, Mona. (1986). Home Educated Children's Social, Emotional Adjustment and Academic Achievements:A Comparative Study. Unpublished doctoral dissertation. Los Angeles, CA: California School of Professional Psychology.
  2. Knowles, J. Gary (1991). Now We Are Adults: Attitudes,Beliefs, and Status of Adults Who Were Home-educated as Children. Paper presented at the annual meeting of the American Educational Research Association, Chicago, April 3-7.
  3. Medlin, Richard G. (2000). Home schooling and the question of socialization. Peabody Journal of Education, 75(1 & 2), 107-123.
  4. Ray, Brian D. (2010, Frebuary 3). Academic Achievement and Demographic Traits of Homeschool Students: A Nationwide Study. Academic Leadership Journal, 8(1).
  5. Ray, Brian D. (2003). Homeschooling Grows Up. National Home Education Research Institue: Salem, Oregon.
  6. Rudner, Lawrence M. (1999). Scholastic achievement and demographic characteristics of home school students in 1998. Educational Policy Analysis Archives, 7(8).
  7. Shyers, Larry E. (1992). A comparison of social adjustment between home and traditionally schooled students. Home School Researcher, 8(3), 1-8.
  8. McDowell, Susan. (2004). But What About Socialization? Answering the Perpetual Home Schooling Question: A Review of the Literature. Philodeus Press.
  9. Taylor, John Wesley. (1986 May). Self-Concept in Home Schooling Children. Doctoral dissertation, Andrews. University, Michigan.
  10. Van Pelt, D.A., Allison, P.A. and Allison, D.A. (2009). Fifteen Years Later: Home Educated Canadian Adults. London, ON: Canadian Centre for Home Education (Monograph).

André de Holanda é graduando em Sociologia na Universidade de Brasília. Atualmente, prepara trabalho de conclusão de curso sobre a prática da educação domiciliar no Brasil.

1 Duas pesquisas recentes (Ray, 2003; Van Pelt, Allison & Allison, 2009) verificaram o engajamento social de adultos que foram educados em casa nos Estados Unidos e no Canadá. Os resultados: comparados com seus pares não educados domiciliarmente, eles se mostraram mais frequentes em grupos de atividades e organizações comunitárias, e mais participativos nas eleições em seus países.
2 Brian D. Ray. (2011). 2.04 Million Homeschool Students in the United States in 2010. National Home Education Research Institute.
3 Esse argumento, que já chegou nas altas esferas da Justiça brasileira, não é novo. Em 2001, o ex-ministro do STJ Francisco Peçanha Martins, então relator do caso da família Vilhena Coelho (que defendia o direito de educar em casa os seus três filhos mais velhos), arguiu que “os filhos não são dos pais”. A família teve o direito negado por seis votos a dois.

sábado, 2 de junho de 2012

Frente Parlamentar Lançada!


Na última terça-feira (29/05/2012) foi lançada, no auditório Freitas Nobre em Brasília, a Frente Parlamentar Mista de Educação Domiciliar, presidida pelo Deputado Federal Lincoln Portela – líder do PR-MG e autor do Projeto de Lei nº 3179/12, que regulamenta a Educação Domiciliar no Brasil.
Além do Deputado, entre os integrantes da mesa estavam Caleb O'kray (diplomata americano, adido de Agricultura na Embaixada dos Estados Unidos); Edilberto Sastre (sociólogo colombiano); Ricardo Iene (presidente da ANED) e Alexandre Magno Moreira (consultor jurídico do MEC e diretor jurídico da ANED).
Estiveram presentes, também, autoridades, parlamentares, chefes de gabinetes e pais que defendem a proposta da ED.
Entre os presentes, manifestaram-se, subindo à Tribuna os parlamentares: Gonzaga Patriota (PSB-PE), Laércio Oliveira (PR-SE), Luciano Castro (PR-RR), Izalci (PR-DF), Paulo Freire (PR-SP) e o deputado distrital Raad Massouh (PPL). Todos se manifestaram de forma favorável à ED, parabenizando o Dep. Lincoln pela iniciativa.
Em sua fala, Alexandre Magno fez um discurso emocionante sobre a questão jurídica da ED no Brasil. Para tanto, buscou um “caminho inverso” àquele geralmente tomado ao tratar desse assunto: ao invés de tratar do direito dos pais ensinarem em casa, falou sobre o dever dos mesmos com a educação de seus filhos.
Já o diplomata Caleb O'kray, juntamente com a esposa, falou ao público sobre suas experiências como aluno domiciliar. Ele parabenizou a iniciativa e disse que está “empolgado” com o sucesso da modalidade no Brasil.
Destacamos, ainda, a participação dos irmãos irmãos Jônatas e Davi Nunes, que falaram sobre a experiência de serem ensinados em casa e sobre a satisfação de terem recebido o prêmio da Campus Party. Os irmãos foram muito aplaudidos quando honraram o pai pela coragem e iniciativa de educá-los em casa.
Após esse grande passo na luta pela regulamentação da ED, o próximo será uma reunião com o Ministro da Educação Aloízio Mercadante, que ocorrerá na próxima semana. Posteriormente, também haverá uma audiência com a OAB.
Também pretendemos conversar com o Dep. Valdenor Prereira (PT), que foi nomeado relator do projeto de lei.
Diante de tantas boas notícias, nos resta apenas agradecer a todos que têm participado desse movimento.
Muito obrigado!


sexta-feira, 11 de maio de 2012

Três Metáforas Enganosas


Antes de apresentar esse maravilhoso texto, preciso esclarecer que, apesar do autor falar diretamente sobre a “escola”, não é meu intuito atacar as instituições escolares. A grande crítica do artigo abaixo não é, necessariamente, contra a escola em si, mas à mentalidade representada nas “Três Metáforas”. Inclusive, precisamos considerar muito bem isso, pois esse tipo de pensamento pode estar completamente arraigado em nós, mesmo que ensinemos em casa. Portanto, peço que leiam o texto, não se “enraivecendo” com a escola, mas fazendo uma auto-análise para compreender se esses pressupostos equivocados sobre a aprendizagem não estão presentes em suas próprias vidas...


Texto retirado do livro “Aprendendo o Tempo Todo” de John Holt
O que fazemos em nossa vida e em nosso trabalho é, muito mais do que podemos perceber, influenciado por metáforas, imagens que levamos em nossa mente sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar. Frequentemente elas são mais reais para nós do que a própria realidade.
A educação formal é governada e dominada por três metáforas particulares. Alguns educadores estão mais ou menos conscientes de que seu trabalho é guiado por tais metáforas. Outros não têm a menor consciência disso. E outros, ainda, podem até chegar a negar vigorosamente sua influência. No entanto, conscientes ou não, elas têm determinado amplamente o que a maioria dos professores faz na escola.
A primeira dessas metáforas apresenta a educação como uma linha d montagem em uma fábrica de enlatados ou engarrafados. Penduradas nas esteiras estão filas de recipientes vazios de diferentes formas e tamanhos. Ao lado delas, uma série de aparelhos de esguichar, controlados pelos empregados da fábrica. À medida que os recipientes passam, os empregados esguicham em seu interior variadas quantidades de diferentes substâncias – leitura, ortografia, matemática, história, ciências.
No andar de cima, os gerentes decidem quando os recipientes devem ser postos na esteira, quanto tempo devem ser deixados nela, que tipo de substâncias devem ser postos neles de cada vez e o que deve ser feito com aqueles recipientes cujas aberturas parecem ser menores do que as de outros e com aqueles que parecem não possuir nenhuma abertura.
Quando discuto essa metáfora com professores, muitos riem e parecem achá-la absurda. Mas basta que leiamos as últimas propostas de melhoria da educação para ver como ela domina ainda as concepções dos reformadores. Efetivamente, todos os relatórios oficiais continuam a dizer que devemos ter tantos anos de português, outros tantos de matemática, outros de língua estrangeira, mais outros de ciências. Em outras palavras, devemos esguichar português nos recipientes por tantos anos, matemática, por outros tantos, e assim por diante. O pressuposto é que qualquer coisa que se esguiche no recipiente entrará nele e, uma vez em seu interior, ali permanecerá.
Parece que ninguém faz a óbvia pergunta: Como é que tantos recipientes saem da fábrica vazios, se receberam todas as substâncias que foram esguichadas neles por tantos anos? Diante de um século de experiência que os contradiz, os educadores ainda se agarram à noção de que ensinar produz aprendizagem e, logo, à convicção de que, quanto mais se ensina, mais se aprende. Nenhum dos relatórios que li sobre as propostas de reforma educacional levanta questões sérias sobre esse pressuposto. Se os alunos não sabem o suficiente, é porque não começamos a esguichar cedo suficiente (aos 4 anos, por exemplo), ou porque não esguichamos a coisa certa ou a quantidade suficiente dela (vamos restringir ou especificar mais o currículo).
Uma segunda metáfora retrata os alunos na escola como ratos de laboratório em uma gaiola, sendo treinados para fazer algum tipo de truque. Na maioria das vezes, um tipo de truque que nenhum rato na vida real teria qualquer razão para fazer. Põe-se, por exemplo, o rato em um lado da gaiola e, no outro, um triângulo e um círculo. Se o rato pressiona a figura “certa” - aquela que o experimentador quer que ele pressione –, lá vem uma saborosa recompensa. Se o rato pressiona a figura “errada”, a indesejada, recebe um choque elétrico. De acordo com John Goodlad, da Escola de educação da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, assim era o ensino nas escolas, na vidada do século XIX para o XX. Digo que assim é o ensino ainda hoje: tarefa, recompensa, choque. No lugar de recompensas e choque leiam-se promessas e ameaças, ou “reforço positivo” e “reforço negativo”.
Os reforços positivos na escola são sorrisos dos professores, medalhas, notas altas nos boletins, classes especiais e, no fim, o ingresso em faculdades prestigiadas, a conquista de bons empregos, trabalhos interessantes, dinheiro e sucesso. O reforço negativo são reprimendas raivosas, sarcasmo, desprezo, humilhação, vergonha, o riso derrisório das outras crianças, as ameaças de fracasso, de ficar para trás, de ser expulso da escola. Para muitas crianças desafortunadas, os reforços negativos incluem castigos físicos. Ao fim dessa linha, estão a admissão em faculdades de segunda ou terceira categoria ou a impossibilidade de cursas uma faculdade, o desemprego ou empregos ruins, trabalho duro, pouco dinheiro ou absoluta pobreza.
A terceira metáfora é, talvez, a mais destrutiva e perigosa de todas. Apresenta a escola como um hospital para alienados mentais. As escolas, de alto ou baixo nível, têm operado sob a regra, maravilhosamente conveniente para elas, de que quando ocorre a aprendizagem o crédito é delas: “Se você pode ler, agradeça a um professor”, e de que quanto não ocorre aprendizagem, a culpa é dos alunos. Em uma escola de ensino fundamental muito bem cotada, um professor veterano chegou a afirmar: “Se as crianças não aprendem o que ensinamos, é porque são preguiçosas, desorganizadas ou têm distúrbios mentais”. À exceção de uns poucos professores, a maioria concordou com ele.
Mais recentemente, no entanto, os educadores encontraram outra explicação para a não-ocorrência de aprendizagem: “deficiências de aprendizagem”. Essa explicação se tornou popular porque oferecia um argumento a todos os envolvidos nesse assunto. Pais de classe média necessitados de se livrar da culpa pelo fracasso dos filhos puderam parar de perguntar “O que fizemos de errado?”. Os especialistas lhes dizem: “Vocês não fizeram nada de errado; o problema é só o fato de que seu filho tem uns parafusos soltos na cabeça”. Podia-se dizer aos que, já com certa ira, cobravam às escolas que “fizessem seu trabalho e ensinassem algo às crianças”: “Sinto muito, mas nada podemos fazer; seu menino tem deficiências de aprendizagem”.
Crianças de apenas 5 ou 6 anos, quase sempre em seus primeiros dias de escola, são submetidas a baterias de testes “para descobrir o que está errado com elas”. A algumas, inclusive, os professores dizem para que servem os testes. Uma parte substancial da pseudo-ciência da pedagogia consiste agora em listar e descrever essas “doenças”, os testes que supostamente as diagnosticam e as atividades que são planejadas para tratá-las – mas quase nunca para curá-las.
A “pesquisa” que está por trás desses rótulos é muito tendenciosa e nada convincente. Alguns anos atrás, em um grande congresso de especialistas em deficiências de aprendizagem, perguntei se alguém já tinha ouvido falar – não feito, apenas ouvido falar – de pesquisas ligando déficits de percepção com estresse. Num auditório de quase 1.100 pessoas, duas levantaram a mão. Um homem afirmou, então, saber de uma pesquisa na qual alunos em que se supunham graves déficits de aprendizagem foram colocados em uma situação relativamente livre de estresse, e suas deficiências logo desapareceram. O outro que levantara a mão relatou-me depois uma experiência familiar.
Nossa terceira metáfora, como as duas primeiras, apresenta uma imagem falsa da realidade. As escolas trabalham com o pressuposto de que as crianças não estão interessadas em aprender e de que, na verdade, não são boas mesmo nisso. Crêem que as crianças não aprenderão nada a não ser o que preparamos para que aprendam, a não ser que lhes mostremos como aprender. E acreditam que o modo de fazê-las aprender é dividindo os conteúdos a serem aprendidos em uma sequência de tarefas miúdas que deverão ser dominadas uma de cada vez, cada qual com sua recompensa apropriada e com seu apropriado choque. E quando esse método não funciona, as escolas entendem que há algo errado com as crianças. Algo que se deve diagnosticar e tratar.
Todos esses pressupostos são falsos. Se você sai de Chicago para ir a Boston, e pensa que Boston está a oeste de Chicago, quanto mais longe você for, pior será, porque mais distante estará de seu destino. Se seus pressupostos estiverem errados, suas ações também estarão, e quanto mais você trabalhar duro em seu objetivos, pior será.
O fato facilmente observável é que as crianças são apaixonadamente ávidas por aprender, para extrair tanto sentido do mundo a seu redor quanto lhes seja possível. Elas são extremamente boas nisso. E o fazem como os cientistas, isto é, criando conhecimento a partir da experiência. As crianças observam, interrogam-se, descobrem e em seguida testam as respostas que constroem para as perguntas que fazem a si mesmas. Quando estão realmente à vontade para aprender, e não coagidas a fazê-lo, continuam a fazer mais e mais e ficam cada vez melhores nisso.
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