Antes
de apresentar esse maravilhoso texto, preciso esclarecer que, apesar
do autor falar diretamente sobre a “escola”, não é meu intuito
atacar as instituições escolares. A grande crítica do artigo
abaixo não é, necessariamente, contra a escola em si, mas à
mentalidade representada nas “Três Metáforas”. Inclusive,
precisamos considerar muito bem isso, pois esse tipo de pensamento
pode estar completamente arraigado em nós, mesmo que ensinemos em
casa. Portanto, peço que leiam o texto, não se “enraivecendo”
com a escola, mas fazendo uma auto-análise para compreender se esses
pressupostos equivocados sobre a aprendizagem não estão presentes
em suas próprias vidas...
Texto
retirado do livro “Aprendendo
o Tempo Todo” de John Holt
O
que fazemos em nossa vida e em nosso trabalho é, muito mais do que
podemos perceber, influenciado por metáforas, imagens que levamos em
nossa mente sobre como o mundo funciona ou deveria funcionar.
Frequentemente elas são mais reais para nós do que a própria
realidade.
A
educação formal é governada e dominada por três metáforas
particulares. Alguns educadores estão mais ou menos conscientes de
que seu trabalho é guiado por tais metáforas. Outros não têm a
menor consciência disso. E outros, ainda, podem até chegar a negar
vigorosamente sua influência. No entanto, conscientes ou não, elas
têm determinado amplamente o que a maioria dos professores faz na
escola.
A
primeira dessas metáforas apresenta a educação como uma linha d
montagem em uma fábrica de enlatados ou engarrafados. Penduradas nas
esteiras estão filas de recipientes vazios de diferentes formas e
tamanhos. Ao lado delas, uma série de aparelhos de esguichar,
controlados pelos empregados da fábrica. À medida que os
recipientes passam, os empregados esguicham em seu interior variadas
quantidades de diferentes substâncias – leitura, ortografia,
matemática, história, ciências.
No
andar de cima, os gerentes decidem quando os recipientes devem ser
postos na esteira, quanto tempo devem ser deixados nela, que tipo de
substâncias devem ser postos neles de cada vez e o que deve ser
feito com aqueles recipientes cujas aberturas parecem ser menores do
que as de outros e com aqueles que parecem não possuir nenhuma
abertura.
Quando
discuto essa metáfora com professores, muitos riem e parecem achá-la
absurda. Mas basta que leiamos as últimas propostas de melhoria da
educação para ver como ela domina ainda as concepções dos
reformadores. Efetivamente, todos os relatórios oficiais continuam a
dizer que devemos ter tantos anos de português, outros tantos de
matemática, outros de língua estrangeira, mais outros de ciências.
Em outras palavras, devemos esguichar português nos recipientes por
tantos anos, matemática, por outros tantos, e assim por diante. O
pressuposto é que qualquer coisa que se esguiche no
recipiente entrará nele
e, uma vez em seu interior, ali permanecerá.
Parece
que ninguém faz a óbvia pergunta: Como é que tantos recipientes
saem da fábrica vazios, se receberam todas as substâncias que foram
esguichadas neles por tantos anos? Diante de um século de
experiência que os contradiz, os educadores ainda se agarram à
noção de que ensinar produz aprendizagem e, logo, à convicção de
que, quanto mais se ensina, mais se aprende. Nenhum dos relatórios
que li sobre as propostas de reforma educacional levanta questões
sérias sobre esse pressuposto. Se os alunos não sabem o suficiente,
é porque não começamos a esguichar cedo suficiente (aos 4 anos,
por exemplo), ou porque não esguichamos a coisa certa ou a
quantidade suficiente dela (vamos restringir ou especificar mais o
currículo).
Uma
segunda metáfora retrata os alunos na escola como ratos de
laboratório em uma gaiola, sendo treinados para fazer algum tipo de
truque. Na maioria das vezes, um tipo de truque que nenhum rato na
vida real teria qualquer razão para fazer. Põe-se, por exemplo, o
rato em um lado da gaiola e, no outro, um triângulo e um círculo.
Se o rato pressiona a figura “certa” - aquela que o
experimentador quer que ele pressione –, lá vem uma saborosa
recompensa. Se o rato pressiona a figura “errada”, a indesejada,
recebe um choque elétrico. De acordo com John Goodlad, da Escola de
educação da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, assim era
o ensino nas escolas, na vidada do século XIX para o XX. Digo que
assim é o ensino ainda hoje: tarefa, recompensa, choque. No lugar de
recompensas e choque leiam-se promessas e ameaças, ou “reforço
positivo” e “reforço negativo”.
Os
reforços positivos na escola são sorrisos dos professores,
medalhas, notas altas nos boletins, classes especiais e, no fim, o
ingresso em faculdades prestigiadas, a conquista de bons empregos,
trabalhos interessantes, dinheiro e sucesso. O reforço negativo são
reprimendas raivosas, sarcasmo, desprezo, humilhação, vergonha, o
riso derrisório das outras crianças, as ameaças de fracasso, de
ficar para trás, de ser expulso da escola. Para muitas crianças
desafortunadas, os reforços negativos incluem castigos físicos. Ao
fim dessa linha, estão a admissão em faculdades de segunda ou
terceira categoria ou a impossibilidade de cursas uma faculdade, o
desemprego ou empregos ruins, trabalho duro, pouco dinheiro ou
absoluta pobreza.
A
terceira metáfora é, talvez, a mais destrutiva e perigosa de todas.
Apresenta a escola como um hospital para alienados mentais. As
escolas, de alto ou baixo nível, têm operado sob a regra,
maravilhosamente conveniente para elas, de que quando ocorre a
aprendizagem o crédito é delas: “Se você pode ler, agradeça a
um professor”, e de que quanto não ocorre aprendizagem, a culpa é
dos alunos. Em uma escola de ensino fundamental muito bem cotada, um
professor veterano chegou a afirmar: “Se as crianças não aprendem
o que ensinamos, é porque são preguiçosas, desorganizadas ou têm
distúrbios mentais”. À exceção de uns poucos professores, a
maioria concordou com ele.
Mais
recentemente, no entanto, os educadores encontraram outra explicação
para a não-ocorrência de aprendizagem: “deficiências de
aprendizagem”. Essa explicação se tornou popular porque oferecia
um argumento a todos os envolvidos nesse assunto. Pais de classe
média necessitados de se livrar da culpa pelo fracasso dos filhos
puderam parar de perguntar “O que fizemos de errado?”. Os
especialistas lhes dizem: “Vocês não fizeram nada de errado; o
problema é só o fato de que seu filho tem uns parafusos soltos na
cabeça”. Podia-se dizer aos que, já com certa ira, cobravam às
escolas que “fizessem seu trabalho e ensinassem algo às crianças”:
“Sinto muito, mas nada podemos fazer; seu menino tem deficiências
de aprendizagem”.
Crianças
de apenas 5 ou 6 anos, quase sempre em seus primeiros dias de escola,
são submetidas a baterias de testes “para descobrir o que está
errado com elas”. A algumas, inclusive, os professores dizem para
que servem os testes. Uma parte substancial da pseudo-ciência da
pedagogia consiste agora em listar e descrever essas “doenças”,
os testes que supostamente as diagnosticam e as atividades que são
planejadas para tratá-las – mas quase nunca para curá-las.
A
“pesquisa” que está por trás desses rótulos é muito
tendenciosa e nada convincente. Alguns anos atrás, em um grande
congresso de especialistas em deficiências de aprendizagem,
perguntei se alguém já tinha ouvido falar – não feito, apenas
ouvido falar – de pesquisas ligando déficits de percepção com
estresse. Num auditório de quase 1.100 pessoas, duas levantaram a
mão. Um homem afirmou, então, saber de uma pesquisa na qual alunos
em que se supunham graves déficits de aprendizagem foram colocados
em uma situação relativamente livre de estresse, e suas
deficiências logo desapareceram. O outro que levantara a mão
relatou-me depois uma experiência familiar.
Nossa
terceira metáfora, como as duas primeiras, apresenta uma imagem
falsa da realidade. As escolas trabalham com o pressuposto de que as
crianças não estão interessadas em aprender e de que, na verdade,
não são boas mesmo nisso. Crêem que as crianças não aprenderão
nada a não ser o que preparamos para que aprendam, a não ser que
lhes mostremos como aprender. E acreditam que o modo de fazê-las
aprender é dividindo os conteúdos a serem aprendidos em uma
sequência de tarefas miúdas que deverão ser dominadas uma de cada
vez, cada qual com sua recompensa apropriada e com seu apropriado
choque. E quando esse método não funciona, as escolas entendem que
há algo errado com as crianças. Algo que se deve diagnosticar e
tratar.
Todos
esses pressupostos são falsos. Se você sai de Chicago para ir a
Boston, e pensa que Boston está a oeste de Chicago, quanto mais
longe você for, pior será, porque mais distante estará de seu
destino. Se seus pressupostos estiverem errados, suas ações também
estarão, e quanto mais você trabalhar duro em seu objetivos, pior
será.
O
fato facilmente observável é que as crianças são apaixonadamente
ávidas por aprender, para extrair tanto sentido do mundo a seu redor
quanto lhes seja possível. Elas são extremamente boas nisso. E o
fazem como os cientistas, isto é, criando
conhecimento a partir da experiência. As crianças observam,
interrogam-se, descobrem e em seguida testam as respostas que
constroem para as perguntas que fazem a si mesmas. Quando estão
realmente à vontade para aprender, e não coagidas a fazê-lo,
continuam a fazer mais e mais e ficam cada vez melhores nisso.