É
muito satisfatório conseguir escrever novamente após tantas semanas
(meses?!) de “silêncio virtual”. Para quem estava acostumado a
escrever um artigo por semana, ficar tanto tempo sem produzir
qualquer artigo é realmente desconfortável – para dizer o mínimo.
Mas, agora que consegui me desvincilhar de alguns “embaraços”
decorrentes do grande volume de trabalho, poderei voltar a me dedicar
um pouco mais à produção de textos relacionados à ED neste meu
blog. E, como primeiro texto dessa nova fase, nada mais justo do que
cumprir minha (antiga) promessa de explicar de forma clara e objetiva
os motivos que me levam a crer que uma regulamentação legal da ED
em nosso país é, no momento, a melhor saída para as famílias que
ensinam em casa.
Desde
que foram iniciadas as movimentações em prol de uma legislação
específica para a ED no Brasil surgiram dúvidas e questionamentos
sobre esse caminho – essa realmente é a melhor forma de
conseguirmos o que queremos enquanto educadores e educandos
domiciliares? Nos últimos tempos, devido aos progressos alcançados
nessa caminhada, essas dúvidas ressurgiram com muito mais força. De
fato, essa é uma questão tão importante, tão pertinente e tão
delicada que não poderíamos ignorá-la.
Conversei
com várias pessoas e li textos de tantas outras que se preocupam com
a possibilidade de entregarmos a ED nas “mãos” do Governo e,
assim, perdermos a liberdade de ensinar nossas crianças conforme
nossas próprias escolhas. Com efeito, perder a liberdade de escolha
no processo de educação domiciliar seria perder a ED em si, pois a
flexibilidade e a adaptabilidade (em todos os aspectos) são
elementos fundamentais e estão na própria essência do ensino em
casa. Portanto, essa preocupação é completamente válida e não
podemos minimizá-la ou deixá-la de lado.
Se
assim é, logo, não seria um risco alto demais requirir uma
regulamentação legal que restringiria a liberdade educacional
domiciliar?
É
o que muitos acreditam, e vamos analisar cuidadosamente isso.
Mas,
em primeiro lugar, gostaria de deixar claro o motivo mais forte que
me faz lutar pela regulamentação legal da ED no Brasil: o
anseio das famílias.
Como as pessoas que me conhecem um pouco mais sabem, não sou casado
e não tenho filhos. Dessa forma, apesar de minha luta pela ED, não
estou inserido diretamente em uma realidade de ensino domiciliar.
Como não sou pai nem aluno domiciliar, minhas ações como defensor
e agente da ED correspondem diretamente às necessidades e anseios
expressos pelas famílias que ensinam em casa. Enquanto não tenho
meus próprios filhos e meus próprios interesses quanto à educação
deles, minha missão é corresponder e defender os interesses
daquelas famílias que me pedem isso. Obviamente, tenho muitas
limitações e não posso fazer tudo o que gostaria (nem tudo o que
as famílias gostariam), mas me esforço para realizar tudo o que
está ao meu alcance para auxiliar e apoiar quem já está ensinando
em casa.
Neste
sentido, sou um servidor,
um correspondedor,
um auxiliador
das famílias que ensinam em casa, e não um julgador
ou determinador
de como as coisas devem ser.
Diante
dessa minha missão, tenho
lutado pela regulamentação da ED porque muitas famílias têm
expressado seu desejo de que isso seja feito.
Sei que não é o caso de todas as famílias, pois tem ficado cada
vez mais claro que muitas pessoas gostariam que não houvesse
qualquer lei sobre ED, mas que os pais tivessem liberdade total para
ensinar seus filhos do jeito que quiserem. Mas, mesmo assim, a
maioria das famílias que entram em contato comigo ainda expressa seu
anseio por uma regulamentação legal para que não fiquem mais à
mercê do medo de serem denunciadas por educarem em casa –
ressaltando: me refiro à maioria das famílias que
entram em contato comigo...
é possível que a realidade da maioria das famílias que ensinam em
casa no Brasil seja diferente.
De
fato, a inexistência de legislação específica sobre ED tem gerado
dúvidas e questionamentos por parte do judiciário e levado muitas
famílias a serem denunciadas por ensinar em casa. Apesar da Lei
brasileira não proibir os pais de ensinarem os próprios filhos,
a falta de uma permissão explícita dá margem para os enganos. A
grande maioria das famílias denunciadas acaba não sendo condenada,
mas, mesmo assim, uma denúncia sempre é incômoda e prejudicial,
gerando desgaste físico, emocional e financeiro aos envolvidos.
Como evitar esses prejuízos advindos de uma denúncia?
A única forma é evitar a denúncia. E como fazer isso? Até o
momento, a melhor solução que vejo é, justamente, uma
regulamentação legal que deixe explícito o direito que os pais têm
de ensinar em casa.
RESSALTANDO:
Definitivamente, os pais têm esse direito. Entretanto, ele precisa
ficar completamente explícito em nossa legislação.
Volto
a dizer: muitas famílias têm me pedido para continuar na luta pela
regulamentação para que não precisem mais ter medo de denúncias.
Já perdi a conta de quantas famílias conheço que, praticamente,
precisam se esconder para ensinar os filhos por medo de serem
denunciadas e terem que enfrentar um processo. Nem mesmo a certeza de
vitória ou de arquivamento do processo alivia o coração desses
pais, pois eles sabem o quanto será penoso passar por toda a bateria
de questionamentos, exigências e complicações de um processo
judicial.
Como
vocês podem ver, luto pela regulamentação legal, em primeiro
lugar, porque esse é o desejo expresso por muitas famílias que
falam comigo sobre o assunto. Caso chegue um momento em que a maioria
dos lares educacionais declare um desejo contrário, ou seja, que não
haja qualquer regulamentação legal, com efeito, pelo caráter de
minha missão e pela minha própria consciência, não continuarei a
lutar por isso. Para mim, não haveria qualquer problema nessa
mudança de estratégia – inclusive, me daria menos trabalho...
hehehe... Entretanto, até o momento, a maioria das famílias que
conheço ainda expressa interesse/desejo por uma lei específica.
Para
mim, o anseio desses pais já é motivo suficiente para continuar na
luta pela regulamentação legal da ED – entretanto, este não é o
único motivo...
Um
segundo motivo que me leva a defender essa ideia é a perspectiva de
que essa ação poderá auxiliar na organização e no
desenvolvimento da modalidade no Brasil. Explico: enquanto a ED
mantem-se no “limbo legal”, ou seja, enquanto o Estado e a maior
parte da população não tem certeza sobre a legalidade e o
reconhecimento dessa modalidade, o desenvolvimento de recursos,
eventos e atividades relacionadas a ela será muito lento e truncado.
Permitam-me
um exemplo prático: há mais ou menos um ano venho entrando em
contato com uma editora para adquirir alguns de seus materiais
didáticos para que sejam utilizados por famílias que ensinam em
casa em minha região. Os materiais são ótimos e suprem muito bem
as necessidades dessas famílias. Entretanto, a editora não aceitou
nos vender o material justamente por ter dúvidas sobre a legalidade
de nossas intenções. Por não haver uma lei específica sobre ED,
os representantes dessa editora consideraram que poderiam estar sendo
cúmplices de uma atividade ilegal e, por conta disso, preferiram não
negociar conosco.
Vamos
deixar de lado a incoerência dessa atitude e voltemos a nosso
raciocínio...
Esse
tipo de entrave vai continuar existindo enquanto não houver uma
legislação específica sobre ED em nosso país. Vamos continuar
tendo dificuldades para comprar e, até, produzir material didático,
para realizar eventos maiores, para ter acesso a determinados espaços
culturais, etc.
Podemos
ficar sem isso? Talvez... Mas o interesse pela ED tem crescido muito
em nosso país, e acredito que quanto maior for o movimento, maiores
barreiras encontraremos ao tentar utilizar recursos sem a expressão
oficial de legalidade sobre nossa atividade.
Em
terceiro lugar, acredito na necessidade de uma regulamentação legal
da ED para evitar distorções e/ou abusos no processo educativo.
Gosto de pensar nisso fazendo uma analogia com o trânsito: todos
temos o direito de ir e vir e de ter um trânsito seguro. Esse é um
direito de todo o cidadão. Entretanto, esse direito não me permite
fazer o que bem entender com meu carro, pois poderia colocar em risco
a minha vida e a vida de outros. Portanto, para evitar imprudências
ou abusos existem regras básicas que norteiam a forma de exercermos
nossos direitos quanto à mobilidade. Se as atuais regras de trânsito
estão corretas ou se são justas é uma discussão que deve ser
feita por todos, mas é inquestionável a necessidade de normas
básicas de conduta. Da mesma forma, acredito que o direito
fundamental que os pais têm de optar pela ED precise de algumas
normatizações básicas para evitar prejuízos para a própria
família e para outros.
Porém,
alguém dirá: “Mas
eu não acredito que pais responsáveis, que amam seus filhos,
precisem de qualquer normatização, pois sabem o que é melhor para
suas crianças e só farão o que é melhor!”.
E
eu digo: Concordo plenamente! Pais que amam seus filhos, que os
conhecem bem e estão comprometidos com sua educação não vão
cometer abusos, nem irão causar danos propositais a seus filhos ou a
outras pessoas. Poderão errar, mas não farão mal de forma
deliberada. Esses pais não precisam de leis dizendo como agir, do
mesmo modo que um condutor consciente não precisaria das leis de
trânsito para dirigir seu carro de forma segura e eficiente. Alguém
que se preocupa consigo e com os outros iria dirigir em baixa
velocidade, com muita atenção e da forma mais segura. Entretanto,
nem todos os condutores são conscientes, e nem todos os pais
realmente estão comprometidos com o desenvolvimento de seus filhos.
Sempre haverá pais relapsos que enxergam seus filhos como problemas
ou como oportunidades para tirar vantagens. Para estes casos, é
necessário que haja alguma regulamentação para evitar os prejuízos
causados por esse tipo de comportamento desumano.
Vamos
imaginar:
Em 2013 o Brasil reconhece a ED como uma modalidade válida e dá
liberdade para cada pai guiar o processo educativo de seus filhos
como bem entender. Não há regras, nem parâmetros, apenas a
liberdade de se educar como quiser. Alguns meses após esse
reconhecimento, surge uma denúncia de trabalho escravo. As
autoridades investigam e descobrem uma pedreira com dezenas de
crianças entre 5 e 7 anos trabalhando de 12 a 18 horas por dia
quebrando pedras. Uma situação terrível! Entretanto, não se pode
fazer nada, pois os pais de todas essas crianças as colocaram ali e
afirmam que elas estão “estudando em casa”. Os pais usam esse
método para ensinar as crianças conceitos matemáticos e, ao mesmo
tempo, aplicam educação física.
Eles
não podem fazer isso!!!
Não?
O que os impede? Eles não são os pais? Não têm liberdade para
ensinar os filhos como bem entendem?
Obviamente
estou usando um exemplo bastante radical, mas faço isso para que
fique marcado na mente de todos nós que abusos podem acontecer e que
a regulamentação deve ter como objetivo evitar esses abusos. E não
há como questionar: em nosso país, exemplos como o que dei são
reais e, mesmo que não sejam tão comuns em todos os lugares, há
centenas de outros exemplos de como pais negligentes poderiam
utilizar a desculpa de ensinar em casa para causar danos a seus
filhos.
Mas,
agora, surge a grande questão: seria
justo restringir a liberdade de pais responsáveis para evitar abusos
de pais irresponsáveis?
É uma grande questão, e não há respostas simples...
Arriscando
uma resposta (e não creio ser uma resposta definitiva, mas minha
visão neste momento), eu diria que deveríamos dividir a questão da
regulamentação legal da ED em duas perguntas distintas, mas
complementares:
É
necessário haver uma lei específica sobre Educação Domiciliar no
Brasil?
Como deve ser essa lei?
Dividindo
a discussão entre essas duas perguntas, acredito que fica mais fácil
analisar o
que
devemos fazer e como
devemos fazer.
Para
mim, pelo menos, está clara a resposta para a primeira pergunta:
sim,
é necessário haver uma lei específica sobre Educação Domiciliar
no Brasil para: tornar explícito o direito dos pais de optarem por
ensinar seus filhos em casa; e para determinar formas de evitar
abusos por parte de pessoas irresponsáveis.
Já
a resposta para a segunda pergunta não é tão simples, e necessita
de muita análise e discussão. Inclusive, arrisco afirmar que é
essa segunda questão que gera a maior insegurança para pais que
ensinam em casa, levando ao medo de perder sua liberdade para
escolher como ensinar e, consequentemente, ao questionamento sobre a
resposta para a primeira pergunta.
Note:
não haveria qualquer problema em uma lei que diga “É
direito de todo o cidadão optar por ensinar seus filhos em casa”;
o problema surgiria caso as regulamentações decorrentes dessa lei
“podassem” os pais, impedindo as famílias de conduzir o processo
educativo da forma que consideram mais adequada ou exigindo que sejam
seguidos procedimentos que vão contra os valores e escolhas
educacionais familiares.
Diante
disso, acredito que, neste momento, nossos esforços não devem se
concentrar na discussão sobre regulamentar ou não a ED, mas em
debater qual deveria ser a forma, as bases fundamentais e os limites
da(s) lei(s) referente à educação domiciliar no Brasil.
Vejamos algumas perguntas que precisam ser respondidas
sobre isso:
que
situações receberão RECONHECIMENTO LEGAL como educação
domiciliar?
que
condições poderiam SUSPENDER O DIREITO de uma família ensinar em
casa?
será
necessário algum REGISTRO oficial do aluno domiciliar?
como
ocorrerá a CERTIFICAÇÃO do aluno domiciliar?
qual será o papel do Estado junto à educação
domiciliar? Meramente REGULADOR? AVALIADOR? DETERMINADOR?
COLABORADOR?
Enfim...
há um número enorme de questões que precisam ser respondidas
quanto ao “como
deve ser a lei”. Mas, independente dessas questões e de suas
respostas, pessoalmente, considero que elas não deveriam nos levar a
questionar os benefícios da existência de uma lei específica sobre
ED em nosso país.
Para
terminar, gostaria apenas de ressaltar um último ponto: tratei aqui
de minha opinião diante do que tenho recebido da maioria das
famílias que ensinam em casa e entram em contato comigo. Porém, o
que fazer em relação às pessoas que preferem a inexistência de
lei? Não estou causando problemas a essas pessoas por lutar pelo
interesse de outras? Bom... acredito que não. Explico: se, hoje,
você considera ter o direito universal de ensinar seus filhos em
casa sem interferência do Estado e está, efetivamente, fazendo
valer esse direito, a existência de uma lei sobre ED não irá
influenciar em nada sua escolha. Você pode continuar ensinando seus
filhos como bem entender, independentemente do que a lei diga.
Você
compreende? A criação de normas sobre ED não irá lhe causar
problemas, pois poderão haver denúncias da mesma forma que existem
agora. Uma lei sobre ED não poderia piorar a situação, apenas
mantê-la como está.
O
problema viria se houvesse uma lei proibindo
terminantemente o ensino em casa. Isso sim seria um grande mal! E,
para evitar isso, devemos continuar influenciando os legisladores
para que tenham simpatia pela ED, e não antipatia...
Como
muitos já disseram, se não fizemos uma lei sobre ED, corremos o
risco de que outros façam, e façam contra
nossos interesses.
Espero
ter sido claro ao apresentar meus motivos e ao expressar tudo como
minha opinião pessoal, e não como uma verdade absoluta que não
pode ser questionada.
Inclusive, peço a todos que comentem sobre o que está
escrito aqui, compartilhando suas visões, suas impressões e suas
opiniões sobre o assunto. E vamos continuar debatendo o assunto...